Em apertada síntese, a Recuperação Judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, visando garantir a reestruturação dos negócios e redefinir um plano de resgate financeiro da instituição.
A Recuperação Judicial está prevista no capítulo três da Lei de Recuperação Judicial e Falências, Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Assim, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
A classificação dos créditos segue a seguinte ordem concursal: os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; créditos com privilégio especial geral, dentre outros, conforme art. 83, da LRE.
Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência.
Deste modo, após o deferimento do processamento da Recuperação Judicial, o Juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º da LRE e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 da LRE.
É certo que a recuperação judicial enseja a suspensão das ações e execuções ajuizadas pelos credores sujeitos ao plano de recuperação, consoante interpretação do art. 161, §4º, da Lei nº 11.101/2005, didaticamente explicada pelo Des. MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO:
Uma das consequências [da homologação judicial do plano] está presente neste § 4º, que admite o regular prosseguimento de ações e execuções, bem como pedido de decretação de falência, reservando, porém, tal direito apenas àqueles que não estejam sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial. Contrario sensu, e até por uma questão de lógica dos negócios, aqueles credores que estão sujeitos ao plano terão suspensas as ações e execuções em andamento, não podendo também requerer a falência do devedor pelos créditos constantes do plano de recuperação extrajudicial. (Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005, comentada artigo por artigo, rev., atual. E ampliada, São Paulo: Ed. RT, 10ª ed., p. 347).
No que diz respeito as obrigações condominiais, o art. 1.336 do Código Civil, elenca o dever do condômino em contribuir para as despesas do condomínio, assim, segundo o autor Arnaldo Rizzardo “estamos diante de uma obrigação propter rem, que dever ser suportada pela pessoa que é proprietária ou titula da coisa” (RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária – 6º ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 130)
Destarte, as obrigações condominiais possuem natureza propter rem, sendo essenciais à saúde financeira do condomínio e à conservação e manutenção das áreas comuns, bem como da própria unidade autônoma. Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu, in verbis:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. SUSPENSÃO DA DEMANDA DE COBRANÇA. NÃO APLICABILIDADE DO ART. 99, V, DA LEI N. 11.101/2005. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
O Tribunal de origem bem analisou o caso coligido aos autos, especialmente quando consignou que as taxas condominiais classificam-se como encargos da massa falida. Assim, afastou a incidência do disposto no art. 99, V, da Lei 11.101/2005, não devendo incidir a suspensão da ação de cobrança das despesas condominiais.
Agravo interno improvido.
(STJ – AgInt no AREsp 1024279/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 27/03/2018).
A obrigação de pagamento das cotas condominiais é um débito ligado ao imóvel e não à pessoa de seu proprietário. Consequentemente, o débito condominial não é da pessoa da Recuperanda, mas sim relativo ao imóvel de propriedade da Recuperanda.
Sem olvidar a natureza propter rem da obrigação condominial, a inexorável conclusão é a de que o processo de recuperação judicial não exonera o condômino de concorrer para o rateio das despesas destinadas à manutenção e conservação do condomínio, ou seja, não se submete a suspensão de que cuida o artigo 6º da Lei 11.101/05
Assim, são despesas necessárias para administração do ativo e, como tais, consoante preconiza o art. 84 da Lei nº 11.101/2005, em seu inciso III, ostentam qualidade extraconcursal.
Por este motivo as cotas condominiais não estão sujeitas à habilitação ou inclusão no quadro geral de credores na recuperação judicial, e sua cobrança não se sujeita sequer à suspensão, mesmo os vencidos anteriormente à propositura da recuperação judicial.
Neste sentido é o entendimento predominante do e. STJ, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE COBRANÇA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS. POSTERIOR FALÊNCIA DA ORA RECORRENTE. TAXAS CONDOMINIAIS ANTERIORES À FALÊNCIA QUE SE REFEREM À MANUTENÇÃO DA COISA. NATUREZA PROPTER REM. PREFERÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS ATRIBUÍDOS À MASSA FALIDA. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DOS CRÉDITOS. CARÁTER EXTRACONCURSAL. ENTENDIMENTO DOMINANTE NESTA CORTE. SÚMULA Nº 568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.
(…)omissis
A atual jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a taxa de condomínio se enquadra no conceito de despesa necessária à administração do ativo, tratando-se, portanto, de crédito extraconcursal, não se sujeitando à habilitação de crédito, tampouco à suspensão determinada pelo art. 99 da Lei de Falências.
(…)omissis
Agravo interno não provido, com imposição de multa.
(AgInt no REsp 1646272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018)
Destarte, vale frisar que, em regra, não gera conflito de competência entre o juízo processante da Recuperação Judicial que determinou a suspensão das ações de Execuções e o juízo processante da ação de Execução dos débitos condominiais em desfavor do condômino em Recuperação Judicial.
Neste sentido é o entendimento do e. TJSP, in verbis:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Conflito suscitado por empresa em recuperação judicial. Execução de débito relativo a despesas condominiais com arrematação de bem imóvel da massa falida em trâmite perante Vara Cível de Guarulhos. Pedido de remessa do produto da arrematação para o Juízo da Recuperação Judicial na Capital que foi negado pelo Juízo da execução.
Ausência de qualquer das hipóteses elencadas no artigo 115 do Código de Processo Civil. Questão de natureza jurisdicional. Inexistência de conflito negativo ou positivo entre Juízos. Conflito não conhecido. (Relator: Walter Barone; Conflito de competência nº 2068456-46.2015.8.26.0000; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: Câmara Especial; Data do julgamento: 23/11/2015; Data de registro: 27/11/2015).
A discussão é ampla e, por vezes, tal crédito é inserido no quadro geral de credores da Recuperação Judicial da empresa, o que acaba atrasando a efetividade da tutela pretendida e o caráter mediato do recebimento de tais valores, ainda, muitos magistrados não aplicam o entendimento da corte superior e acabam por tratar o crédito condominial, em especial o já vencido, como crédito concursal, sofrendo com a conhecida morosidade do judiciário.
Por fim, é necessário se aprofundar na discussão acerca da classificação do crédito condominial tanto na recuperação judicial quanto na falência, eis que institutos cada vez mais utilizados.
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Escrito por: Rogério Antunes dos Santos, advogado atuante no Estado de Mato Grosso. Sócio Proprietário do Escritório Rogério Santos Advocacia. Pós-graduado em Direito Constitucional; Pós-graduando em Direito imobiliário e condominial. Membro da comissão de Direito Condominial da OAB/MT e Palestrante.