Um condômino, morador de um condomínio em Santa Catariana, adquiriu carro elétrico (hibrido) e, após conversa com o síndico, fora aprovada a instalação de uma tomada em sua garagem, assim, o condômino providenciou projetos, laudos, ART e instalou tomada em seu box de garagem, para carregamento do seu veículo.
Após isso, o condomínio informou que o seguro não autorizaria tal procedimento, assim, determinou a retirada da tomada e toda a instalação, ainda, aplicou multa ao condômino.
Diante disso, o condômino ajuizou demanda em desfavor do condomínio, para manutenção da tomada instalada. O pedido de antecipação de tutela foi deferido, in verbis:
(…) os autores argumentam que o Condomínio nem sequer questionou a seguradora sobre possível impedimento à instalação da tomada, demonstrando predisposição a dificultar a solução do conflito, e afirmam que, diante disso, consultaram o corretor responsável pela emissão da apólice do seguro condominial e obtiveram informação de que a colocação da tomada não imporia a geração de endosso contratual.
Nesse contexto, considerando os demais elementos de prova trazidos – notadamente sobre a autorização anterior a eles dada, ainda que de modo informal, e que a instalação não aparenta causar riscos ao réu ou prejuízo aos demais condôminos -, tenho como presentes, além da verossimilhança do direito alegado, o risco de dano na demora da reinstalação, dada a dificuldade que lhes impõe no uso do veículo adquirido sem que para tanto haja uma justificativa razoável. Pelo contrário, tudo está a indicar que a administração do Condomínio exerceu de forma arbitrária as suas razões.
Por conseguinte, forte no art. 300 do CPC, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO pleiteada, para autorizar os autores a recolocarem a tomada e demais instalações retiradas pelo Condomínio, ao qual determino que mantenha o restante que porventura ainda tenha remanescido no local.
Caso a estrutura tenha sido completamente removida, os autores ficam autorizados a refazê-la e o Condomínio, proibido de opor quaisquer obstáculos à reinstalação nos mesmos moldes.
As despesas por ora serão por conta dos autores, devendo a eles ser ressarcidas ao final, em caso de procedência da ação.
Intime-se o Condomínio pessoalmente, na pessoa da Síndica, para que cumpra a presente determinação sob pena de multa que arbitro em R$300,00 (trezentos reais) por dia de atraso que eventualmente venha a impor aos autores, limitada a R$9.000,00 (nove mil reais).
Diante da decisão, o condomínio recorreu ao TJRS, para que a decisão fosse reformada.
O Relator do Recurso manteve a decisão favorável ao condômino, permitindo a manutenção da instalação da tomada, em seu box privativo, para carregamento do seu veículo hibrido e enfatizou que conforme entendimento do e. STJ, a vaga de garagem pertence exclusivamente ao proprietário do apartamento respectivo, pois tem menção expressa no contrato, numeração própria e delimitação específica no terreno, in verbis:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PARA RESSARCIMENTO DE VALORES REFERENTES A COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ALEGAÇÃO DE DIFERENÇA ENTRE A ÁREA PROMETIDA E A ÁREA ENTREGUE – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – ENTENDIMENTO DE QUE A VAGA DE GARAGEM É ÁREA DE USO COMUM E, POIS, NÃO DEVE SER CONSIDERADA NO CÔMPUTO DA ÁREA TOTAL DO BEM. INSURGÊNCIA DA EMPRESA RÉ.
Hipótese em que se discute se a vaga de garagem do condômino deve ser compreendida como área privativa dele e se pode, consequentemente, ser considerada no cômputo da área total do imóvel vendido.
Decidido pelas instâncias ordinárias que a vaga de garagem “compreende área real de uso comum”, que não pode ser inclusa no cômputo da área total do apartamento, o qual, por conseguinte, teria sido entregue com área inferior à prometida.
1. A vaga de garagem só deve ser considerada área comum de condomínio edilício quando não se vincular a uma unidade residencial específica e, consequentemente, não se destinar ao uso exclusivo do proprietário dessa unidade, podendo ser usada, assim, por todos os condôminos. Quando, porém, a vaga de garagem for individualizada e de uso exclusivo do proprietário de uma unidade residencial específica, ela não será considerada como área comum, podendo, nesse caso, (i) constituir apenas um direito acessório ou (ii) configurar-se como unidade autônoma, caso em que terá registro próprio em cartório.
2. No caso em questão, a vaga de garagem pertence exclusivamente ao proprietário do apartamento respectivo, pois tem menção expressa no contrato, numeração própria e delimitação específica no terreno.
Sendo assim, as instâncias ordinárias se equivocaram ao considerá- la como bem de uso comum.
3. No entanto, os compradores não foram devidamente informados de que a área total do imóvel correspondia à soma das áreas da unidade habitacional e da vaga de garagem, uma vez que a redação do contrato objeto da lide cria a expectativa, em qualquer pessoa que o lê, de que a área privativa prometida ao comprador se refere unicamente à área do apartamento, isto é, da unidade habitacional, e não da soma desta com a área da vaga de garagem.
4. A praxe no mercado imobiliário é o anúncio da área do apartamento, apenas, constituindo eventual vaga de garagem um plus.
5. Embora seja possível, em tese, que se veicule anúncio publicitário informando como área total do imóvel à venda a soma das áreas do apartamento e da(s) vaga(s) de garagem, é absolutamente imprescindível que, nesse caso, a publicidade seja clara e inequívoca, de modo que os consumidores destinatários não tenham nenhuma dúvida quanto ao fato de que o apartamento, em si, possui área menor do que aquela área total anunciada. Aplicação pura e simples do princípio da transparência, previsto no CDC.
6. Recurso especial desprovido. (REsp 1139285/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 27/11/2014)
Ainda, enfatizou o Relator que:
(…)
Naturalmente, contudo, assim como o uso do próprio apartamento, a utilização da vaga de garagem – no caso, área incontestavelmente privativa – deve observar as regras condominiais (previstas na Convenção e no Regimento Interno), além das normas do direito de propriedade, do direito de propriedade condominial e dos direitos de vizinhança, insculpidas no diploma civil, e que impõem limites ao exercício do direito de propriedade:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
[…]
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
[…]
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
[…]
Art. 1.335. São direitos do condômino:
I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
[…]
Art. 1.336. São deveres do condômino:
[…]
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Assim, o condômino deverá proceder à instalação de medidor individual da energia utilizada para recarregar a bateria de seu automóvel, justamente para elidir a obrigação dos demais de partilhar o gasto extra, não pode o condomínio, diante de sua inércia em efetuar a cobrança, alegar prejuízos aos demais condôminos.
Os condomínios, é inegável, deverão se adpatar à realidade do mercado de consumo de automóveis, em que a venda de híbridos é crescente, despontando estes como substitutos dos carros alimentados por combustíveis fósseis. Deve-se, contudo, garantir a segurança dos condôminos em relação às instalações, o que, no caso concreto, não aparenta estar em risco (com base na opinião técnica emitida por profissional habilitado) – fato, no entanto, passível de prova em sentido contrário.
Com isso, concluiu o Relator que inexistindo alegações e provas contundentes dos prejuízos causados aos demais condôminos em decorrência da instalação e uso da tomada elétrica na vaga de garagem do condômino, para fins de carregarem a bateria de seu carro híbrido, deve ser mantida hígida a decisão que lhes permitiu reinstalar os equipamentos elétricos.
Cabe recurso da decisão.
TJRS – Processo nº 5081515-30.2021.8.21.7000
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