Nos dias atuais os consumidores tem sofridos cada vez mais com as demoras excessivas na manutenção dos seus veículos, muitas vezes ainda em garantia, devido à falta de peças de reposição nas concessionária e fabricante. Na maiorias dos casos, os consumidores ficam sem seus carros, pois as concessionárias não fornecem um carro reserva ao cliente/consumidor, enquanto aguardam a manutenção do seu veículo.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 18, caput, que estabelece a responsabilidade solidária entre os fornecedores, bem como prevê o prazo de 30 (trinta) dias para que o vício seja sanado, in verbis:
Art.18. Os fornecedores de produtos de consumo, duráveis ou não duráveis, respondem solidariamente pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
1º. Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente, e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II — a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.”
Todavia, é certo que as fabricantes e concessionárias tem a obrigação de manter um estoque de peças de reposição que atendam aos veículos postos no mercado de consumo, a fim de satisfazer eventuais problemas ocorridos com os automóveis adquiridos pelos consumidores.
Neste sentido o art. 32 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”.
Destarte, essa demora excessiva no fornecimento de peças pelo fabricante, para manutenções de veículos, já foi tratada no âmbito judicial, senão vejamos decisão do e. TJSP, in verbis:
APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – Demora excessiva no fornecimento de peças pela fabricante – Ré que tem o dever de garantir o fornecimento da peça de reposição ao consumidor em prazo razoável, nos termos do art. 32 do CDC – Necessidade de manutenção em estoque de quantidade considerável de peças para veículo vendido em larga escala no mercado nacional – Restituição integral dos danos suportados pelo consumidor – Valores despendidos com táxi para se deslocar até o trabalho, localizado em outro município, devidamente comprovados – DANO MORAL – Configuração – Evidente o abalo psicológico sofrido pelo consumidor, privado de seu veículo por mais de cinco meses – Redução, contudo, do “quantum” indenizatório para montante mais razoável e adequado à compensação dos danos suportados, de forma justa e moderada, sem implicar em enriquecimento sem causa do autor – Recurso parcialmente provido.
(TJSP; Apelação Cível 0000617-54.2014.8.26.0394; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Nova Odessa – 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 13/12/2018)
No mesmo sentido, houve julgado da e. Turma Recursal Única do Estado de Mato Grosso – TRU-MT, inclusive, neste caso, a defesa do consumidor foi patrocinada pelo advogado do escritório Rogério Santos Advocacia, in verbis:
RECURSO CÍVEL INOMINADO – DEMANDA INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS – DEMORA NO CONSERTO DO DEFEITO APRESENTADO NO VEÍCULO NO PRAZO DE GARANTIA CONTRATUAL – RESPONSABILIDADE CIVIL VERIFICADA – REITERADAS TENTATIVAS INFRUTÍFERAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA NA ESFERA ADMINISTRATIVA – DANO MORAL – OCORRÊNCIA – VALOR INDENIZATÓRIO – ADEQUAÇÃO AOS PARÂMETROS LEGAIS – REDUÇÃO DO “QUANTUM” INDENIZATÓRIO – DANO MATERIAL – VERIFICADO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO
O ato ilícito gerador do dever indenizatório advém única e exclusivamente do fato da empresa não ter cumprido com a sua obrigação contratual, devendo, portanto, arcar com os danos morais geradores da sua conduta.
As reiteradas tentativas infrutíferas do consumidor para solucionar a questão administrativamente, sem dúvida, geram desconforto, aflição e transtornos e, têm a extensão suficiente para configurar o dano moral.
(TJMT – RI 8010184-53.2015.811.0006, Relator Sebastiao de Arruda Almeida, Turma Recursal Única, julgado em 26/05/2017)
Deste modo, o consumidor não poderá ficar ao alvedrio das concessionárias e/ou fabricantes, aguardando uma solução do seus problemas, ou seja, a manutenção do seus veículos. Neste sentido é o que dispõe o art. 39, XII, do CDC, in verbis:
Art. 39: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)omissis
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério
Veja-se que na maioria dos casos, o consumidor deixa seu veículo, que está na garantia, nas oficinas autorizadas ou das concessionárias e aguarda pela manutenção por longos períodos, em prazos muito acima de 30 (trinta) dias, sem que a concessionaria lhe forneça um carro reserva.
Diante de tais situações, alguns Estados, editaram Leis que obrigam montadoras, concessionárias e importadoras de veículos a fornecer veículo reserva similar a clientes cujo automóvel fique inabilitado por mais de 15 dias por falta de peças originais ou por impossibilidade de realização do serviço, durante o período de garantia contratual, como é o caso do Estado de Pernambuco, pela Lei nº 15.304/2014.
Entretanto, apesar do avanço do legislador Estadual, em 06/12/2018, a Lei foi declarada inconstitucional, por vicio formal, pelo plenário do STF, sob relatoria do ministro Roberto Barroso, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 5158 / PE[1]), proposta pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA e outros.
Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator), exclusivamente, pela existência de vício formal de competência. A seu ver, há inconstitucionalidade orgânica na lei pernambucana, por extrapolar competência concorrente para legislar sobre matéria de consumo. Da interpretação sistemática da Constituição Federal, extraem-se balizas impostas ao legislador estadual para a elaboração de normas consumeristas.
Vale frisar que a decisão do e. STF, na ADI supramencionada, não afasta a obrigatoriedade das concessionárias, fabricantes e ou importadoras de manter peças de reposição em estoque, bem como realizar a manutenção do veículo do consumidor em tempo razoável de até 30 (trinta) dias (art. 18, §1º, CDC).
Diante da relação de consumo existente no caso acima citado, Desta forma, deve-se aplicar a inteligência dos artigos 12 e 14, do CDC, a aplicação da responsabilidade objetiva das Empresas envolvidas. Não deve se perquirir dolo ou culpa, bastando para tanto a apresentação da responsabilidade pelo dano.
Por este motivo, havendo a demora excessiva na manutenção do veículo do consumidor, seja por falta de peça ou por outro motivo injustificado, resta configurada a falha na prestação dos serviços, havendo a possibilidade da condenação da concessionaria e/ou fabricante envolvidas.
Neste sentido foi o recente julgado do TJSP, que condenou solidariamente a concessionaria, fabricante e assistência técnica autorizada, a pagar para o autor uma indenização por danos morais no importe de R$ 12.000,00 (doze mil reais), in verbis:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Demandante consumidor que adquire veículo novo, importado, que sofre avarias em razão de acidente e é levado ao conserto, que é retardado por meses pelo não fornecimento das peças de reposição necessárias, por parte da Loja de Revenda e da Fabricante, culminando com a privação da regular utilização do bem por parte do consumidor, que reclama a composição do prejuízo consequente. SENTENÇA de parcial procedência para condenar as rés, de forma solidária, a pagar para o autor indenização moral de R$ 12.000,00, com correção monetária a contar do ajuizamento e juros de mora a contar da citação, com aplicação da sucumbência recíproca. APELAÇÃO só da corré Revendedora, que insiste na preliminar de carência por ilegitimidade passiva e, quanto ao mais, na improcedência, pugnando subsidiariamente pela redução da indenização arbitrada, anunciando ainda o propósito de prequestionamento. REJEIÇÃO. Causa que versa relação de consumo, sujeita portanto ao Código de Defesa do Consumidor. Loja de Revenda e Fabricante do veículo, que integram a cadeia de consumo, respondendo na condição de Fornecedoras, de forma solidária, pelo prejuízo causado ao adquirente do produto. Veículo adquirido no dia 29 de outubro de 2014, “zero quilômetro”, que sofre avarias em razão de acidente de trânsito ocorrido no dia 02 de dezembro de 2014 e que, embora autorizado o conserto pela Seguradora em Oficina idônea três dias após o acidente, esse conserto somente é efetivado no dia 20 de março de 2015 em razão da ausência de peças de reposição no estoque das Fornecedoras. Configuração de afronta ao artigo 32 do CDC. Situação de constrangimento e de abalo moral bem evidenciada, suficiente para o reconhecimento do dano moral indenizável reclamado pelo consumidor, que foi arbitrado em quantia moderada ante as circunstâncias específicas do caso concreto e os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sucumbência recíproca aplicada na sentença, que deve ser mantida, mas com a majoração da verba honorária devida pela apelante ao Patrono do autor em quantia equivalente a cinco por cento (5%) do valor da condenação, “ex vi” do artigo 85, §§ 2º e 11, do CPC de 2015. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1003040-61.2015.8.26.0320; Relator (a): Daise Fajardo Nogueira Jacot; Órgão Julgador: 37ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Limeira – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/07/2018; Data de Registro: 31/07/2018)
Por fim, deve-se ressaltar, que esse tipo de desrespeito com o consumidor é contumaz, e poucos ou ínfimo é o número de cidadãos que procuram o judiciário para fazer valer seus direitos. Porém, a principal consequência das condenações é desestimular as práticas desses atos ilícitos com os consumidores.
[1] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4627655